Reportagem mostra como mataram Gegê do Mangue e Paca, líderes do PCC

“Vocês estão loucos? Vocês estão loucos?”

As últimas palavras ditas pelo traficante Rogério Jeremias de Simone a seus assassinos revelam sua surpresa diante da morte iminente. Conhecido como Gegê do Mangue e chefe do PCC (Primeiro Comando da Capital) fora dos presídios, ele morreu aos 41 anos ao receber um único tiro entre os olhos, no dia 15 de fevereiro de 2018.

Ao seu lado também foi assassinado o parceiro Fabiano Alves de Souza, o Paca, atingido por quatro disparos, sendo dois no rosto.

O duplo homicídio gerou uma guerra interna na maior facção criminosa do país, cujos efeitos se fazem sentir até hoje. No último dia 17 de julho, o colegiado de juízes da 1ª Vara da Comarca de Aquiraz (região metropolitana de Fortaleza) determinou que as testemunhas e os três réus presos comecem a ser interrogados por vídeo conferência nos próximos dias 20 e 24 de setembro.

Responsável por organizar e executar o plano, o traficante Wagner Ferreira da Silva, conhecido como Cabelo Duro, foi morto a tiros uma semana depois do duplo homicídio.

O Gaeco do MP-CE (Grupo de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Ceará) denunciou outras sete pessoas que estão foragidas.

Empresário do tráfico

Ao lado do líder máximo do PCC, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, Gegê do Mangue é apontado por autoridades como um dos principais responsáveis por transformar a facção no maior grupo de traficantes da América do Sul.

Ele estava foragido desde abril de 2017 e comandava as principais ações de tráfico de drogas para a Europa. Sua rotina incluía estadias no Paraguai (grande produtor de maconha), Bolívia (maior produtor de folha de coca, base para a produção de cocaína) e Ceará, onde “planejava ampliar seus negócios ilícitos”, de acordo com o Gaeco cearense. Ele e Paca moravam em uma mansão em Aquiraz (CE) no valor de R$ 2 milhões.

Crime encomendado

A ordem da cúpula do PCC para matar Gegê do Mangue e Paca chegou ao criminoso Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho. Considerado um dos principais traficantes brasileiros, ele é associado ao PCC e negocia diretamente com máfias italianas a exportação de cocaína para a facção. Foragido da Justiça brasileira há 20 anos, ele tem uma relação de proximidade com Marcola.

O procurador de Justiça em São Paulo Marcio Christino aponta que Fuminho estaria morando no Paraguai e que teria uma fazenda de produção de coca na Bolívia.

Para executar o plano, Fuminho encarregou alguém que possuía uma relação de confiança com Gegê do Mangue. O já mencionado Cabelo Duro chefiou por anos a operação do PCC na Baixada Santista e era considerado um “braço direito” do alvo.

Piloto foi de São Paulo a Fortaleza

A morte de Gegê do Mangue começa a se desenhar no começo de fevereiro de 2018. Cabelo Duro manda o piloto Felipe Ramos Morais, que admitiu na Justiça ter feito carregamento de drogas para a facção, viajar de São Paulo para o Ceará em voo comercial.

Boa parte do relato que se segue consta na denúncia do Gaeco cearense e é baseado nas investigações realizadas pelos policiais da Draco (Delegacia de Combate às Ações Criminosas Organizadas) do Ceará e no depoimento de Felipe, que colaborou com as autoridades.

No dia 9 de fevereiro, o piloto chegou à Fortaleza com a namorada para passar o Carnaval. Hospedou-se no hotel Carmel, localizado na praia do Cumbuco, um dos cartões postais a noroeste da capital cearense.

O helicóptero de prefixo PR-YHB (B4), usado no crime, chegou ao município cearense de Eusébio (região metropolitana de Fortaleza), no hangar da empresa Chopper Solution, por volta das 14h do dia 13 de fevereiro, levado por outro piloto.

Também estavam neste voo Maria Jussara da Conceição Ferreira Santos e seu filho Jefte Ferreira Santos, responsáveis pelo pagamento das despesas dos envolvidos no crime, de acordo com a investigação.

Plano entra em ação

No dia 14 de fevereiro, véspera das mortes, Felipe foi ao hangar da Chopper Solution para encontrar Cabelo Duro, que estava acompanhado de dois comparsas cearenses.

O piloto afirmou ter realizado um voo de poucos minutos com o trio. Quando sobrevoaram a Praia do Futuro, uma das mais conhecidas de Fortaleza, Cabelo Duro identificou um ponto de pouso abandonado. Questionado a respeito, Felipe confirmou que era possível pousar no local. Ali seria onde Gegê e Paca iriam embarcar na aeronave um dia depois.

Na manhã seguinte, Cabelo Duro saiu do Iracema Residence Flat, localizado na praia de Mucuripe. Ele estava acompanhado por quatro homens que seriam apontados posteriormente pelo MP-CE como os atiradores: os paulistas André Luis Costa Lopes (Andrezinho da Baixada) e Erick Machado Santos (Neguinho da Baixada) e os cearenses Carlenilto Pereira Malta (Carlos Ceará) e Tiago Lourenço de Sá de Lima. Os dois últimos trabalhavam com Gegê do Mangue e Paca no estado. Todos se dirigiram ao hangar.

Em seu depoimento, Felipe afirma ter sentido apreensão ao encontrar André e Erick no hangar. Meses antes, ele havia cobrado Cabelo Duro por atraso no pagamento dos voos que fez para o PCC e como resposta foi espancado justamente pelos dois e por outros homens. Ele diz que não conhecia os criminosos cearenses.

A execução

Felipe decolou com os demais passageiros e recebia instruções dos cearenses Tiago e Carlenilto para seguir rumo ao sudeste, pelo litoral, até pousar na reserva indígena de Aquiraz, em uma clareira deserta, encravada entre dunas e matagais.

Ao pousar, Felipe afirma que permaneceu no comando do helicóptero, enquanto os demais ocupantes desceram e passaram a conversar do lado de fora. Segundo a percepção do piloto, embora não pudesse ouvir a conversa, dado o barulho da aeronave e o uso de fones, quem coordenava e orientava os demais naquela reunião eram os denunciados Cabelo Duro, Tiago e Carlenilto, pois eram os que mais gesticulavam e falavam.

Felipe afirmou que apenas Cabelo Duro voltou ao helicóptero, enquanto os outros quatro homens caminharam em direção ao matagal. Voltaram para o hangar da Chopper Solution, onde abasteceram a aeronave.

Passaram 25 minutos no hangar e foram em direção à Praia do Futuro, onde pousaram na pista abandonada mencionada anteriormente. Uma Land Rover preta se aproximou. Do carro, saíram Gegê do Mangue e Paca, que carregavam suas malas. Os dois passaram dias de férias com familiares em Fortaleza e pretendiam voltar à Bolívia.

Durante a viagem, Cabelo Duro afirmou às vítimas que pousariam em um sítio para pegar galões de combustíveis. Quando o helicóptero pousou na reserva indígena, Cabelo Duro desceu. Gegê e Paca, desconfiados, começaram a perguntar a Felipe onde iriam acondicionar os galões já que a aeronave estava lotada com as malas do piloto e dos passageiros.

Logo depois, Cabelo Duro reapareceu com os outros quatro homens. Todos portavam pistolas 9mm. Foi neste momento que Gegê do Mangue perguntou se eles estavam loucos. Não obteve resposta. Ele e Paca foram retirados à força do helicóptero e assassinados a tiros.

Os homens arrastaram os corpos das vítimas até a entrada do matagal. Cabelo Duro pegou um galão de combustível, derramou o líquido sobre os corpos e ateou fogo. Os cadáveres foram encontrados, parcialmente queimados, por um morador da região, no dia seguinte.

De acordo com relato de Felipe, Cabelo Duro afirmou que as vítimas “não levantavam a bunda de suas cadeiras em suas mansões para irem nas favelas a fim de resolver os problemas da facção” e que Gegê do Mangue e Paca mataram muitos pais de famílias nas guerras que promoveram.

Outro lado

Felipe afirmou em seu depoimento desconhecer o plano de matar Gegê do Mangue e Paca. Ele diz que nunca participou de uma ação violenta do PCC.

Fuminho, Andrezinho da Baixada e Neguinho Rick da Baixada estão foragidos. Além de Cabelo Duro, outros três membros da cúpula do PCC foram assassinados dias depois do duplo homicídio.

Carlenito, Tiago e Jefte alegam inocência.

Com o começo dos depoimentos no processo das mortes de Gegê do Mangue e Paca marcado para setembro, ainda não há previsão para seja realizado o júri popular sobre o caso.

Com informações UOL.

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