Profissionais de saúde do Ceará relatam impacto de mudanças no tratamento da Covid-19

Cinco meses e meio após a confirmação dos primeiros casos de Covid-19 no Ceará, os medicamentos prescritos mudaram, o rigor nos critérios para intubação aumentou e a necessidade de uma equipe multidisciplinar para observar as diversas manifestações da doença foi reforçada. Médico, enfermeira e fisioterapeuta relataram ao G1 como as descobertas feitas ao longo da pandemia impactaram no tratamento de cearenses em três das principais unidades de saúde pública do estado.

O infectologista Lino Alexandre capitaneou o combate à doença no Hospital Leonardo Da Vinci, unidade estadual exclusiva para tratamento da Covid-19. “Foi muito difícil, porque saía hoje um estudo, amanhã outro, e isso gerava insegurança na gente. O que eles descobriam combinava com o que víamos na prática, mas tinha muita divergência também. Fomos confrontando estudos com o que vemos nos pacientes, porque ainda não há respostas sobre o melhor medicamento, terapia ou ação”, pontua.

Em maio, pico da pandemia em Fortaleza, o estado chegou a registrar 2.243 pacientes internados, 772 deles em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e outros 1.471 em enfermarias. Até a quinta-feira (3), o número registrado no Integra SUS, da Secretaria da Saúde (Sesa), era significativamente menor: 829 pessoas com Covid-19 estavam em unidades hospitalares em todo o estado, 345 delas em UTIs e 484 em leitos de menor complexidade.

O médico Lino Alexandre reconhece que a experiência em torno da doença garantiu cuidados mais precisos. “Os procedimentos mudaram na medida em que novas medicações surgiram ou novos processos terapêuticos se mostraram eficazes, e que íamos compreendendo as manifestações da doença. Aprendemos a manejar melhor o uso do capacete, do cateter de autofluxo e o próprio momento ideal de usar a ventilação mecânica. Isso foi muito importante para garantir uma melhor recuperação para cada caso”, analisa.

“Não resta dúvida de que, com o passar do tempo, todos os profissionais adquirem um manejo melhor da patologia, habilidades maiores, vão conhecendo mais o quadro. O fato de o número de óbitos ter reduzido ao longo da pandemia não significa que no início havia imperícia dos profissionais: claro que isso conta, mas não era determinante”, complementa Nancy Costa, chefe de enfermagem do Hospital São José (HSJ), referência estadual no tratamento de doenças infecciosas.

Equipe multiprofissional

Outra mudança importante, além de maior rigor para intubar os pacientes, foi quanto à medicação. Segundo Dr. Lino, “o tratamento evoluiu principalmente quando vimos que o corticoide tinha respostas positivas”, ponto também citado por Nancy. “No início, a hidroxicloroquina era uma febre, e isso foi mudando. Os medicamentos para parasitoses aos poucos também foram saindo da lista de prescrições e administrações. O foco hoje está no uso do corticoide em tempo correto”, destaca a chefe de enfermagem.

O maqueiro Francisco Ribeiro da Silva, 41, foi um dos pacientes incluídos no tratamento com cloroquina associada a antibiótico, protocolo adotado pela Sesa em abril. Ele foi infectado pelo novo coronavírus em pleno pico da pandemia na capital cearense e internado no HSJ após manifestar sintomas graves. O medicamento deixou como efeito colateral um “formigamento” nos pés por quase um mês.

Quando internado, Francisco foi submetido à manobra da “pronação”: quando o paciente é deitado de bruços para recuperar a oxigenação do sangue. “Minha saturação tava em 60%, aí recomendaram ficar de barriga pra baixo direto. Não podia mudar de posição. No dia seguinte, chegou a 97%”, relembra o maqueiro, depondo que “a dor no corpo era horrível” e que só suportou “porque não queria ser intubado de jeito nenhum”. A dificuldade respiratória, porém, dura até hoje, tratada com fisioterapia pulmonar.

Ser acompanhado por fisioterapeuta é fundamental não só no pós, mas em todas as etapas do tratamento da Covid-19. A relevância dos múltiplos profissionais de saúde na observação dos pacientes foi outro ponto evidenciado pela pandemia.

A fisioterapeuta Ana Karina Marques, que atua no Hospital Geral de Fortaleza (HGF), reforça que a longa internação exigida pelos casos mais graves do novo coronavírus exigiu vigilância ainda mais complexa. “A cada 24h que o paciente fica internado e não mantém a autonomia normal, ele perde funções. Isso repercute nas dinâmicas muscular, cerebral, renal e cardíaca, por isso o avaliamos da chegada dele até a saída”, explica Karina – que trabalha em UTI há 20 anos, mas, diante do ineditismo do coronavírus, sentiu necessidade de estudar novamente.

Aprendizados

Além dos cuidados com os pacientes, a importância da autoproteção foi salientada com a pandemia: utilizar máscara sempre, inclusive em conversas de corredor, e aprender a colocar e tirar a paramentação da forma correta, sem riscos de infecção pela doença, foi outra lição aprendida e citada pelos três profissionais de saúde.

As lições, contudo, não foram só científicas. “A pandemia é muito marcante, porque dá à gente certo grau de impotência, mas ao mesmo tempo um desejo de contribuir pra salvar vidas. Você fica na busca incessante de ‘hoje não pode morrer ninguém’. Mas morre. O lado humano entre profissões é muito importante, e a interdisciplinaridade diminui as dores e gera ganho de saberes”, pontua Dr. Lino.

Para Nancy Costa, o desafio diário foi “buscar alternativas para minimizar o sofrimento psicológico dos profissionais”. “O profissional vem pra cá com muito medo de levar a doença pra casa. Eles têm as necessidades deles, e como vão prestar atendimento de qualidade se não estiverem bem?”, questiona.

Até as 9h30 dessa quinta-feira (27), 16.132 profissionais de saúde haviam contraído o novo coronavírus, quase 7 mil da enfermagem. Do total, 30 foram a óbito. Outros 15.791 estão recuperados.

Já Ana Karina assume que a pandemia trouxe “a importância da união de vários olhares sobre um paciente crítico, fazer tudo sozinha não tem um resultado efetivo”. Além disso, ela cita uma lição pessoal e, ao mesmo tempo, compartilhada: “capacitação constante é imprescindível para lidar com o novo”.

Mudanças

Lino Alexandre, Nancy Costa e Ana Karina Marques pontuaram algumas das mudanças ocorridas durante o período mais forte da pandemia no Estado.

Intubação e ventilação – No início da pandemia, recomendava-se que a ventilação mecânica fosse aplicada de forma precoce. Depois, passou a ser “mais consciente e precisa”.

Medicações – A hidroxicloroquina e a cloroquina, associadas a outros fármacos, surgiram como tratamento nos primeiros meses da Covid-19 no Ceará e no Brasil. Depois, os vermífugos foram cogitados. Hoje, o uso de corticoides é o mais aplicado.

G1.

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