Pessoas não estão mais respeitando isolamento social no Ceará

À 0h do dia 20 de março, começava oficialmente o isolamento social no Ceará como forma de conter os efeitos prejudiciais da pandemia do novo coronavírus sobre o sistema de Saúde. A medida freou a curva de disseminação, mas, ainda assim, as vagas em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) públicas para casos da Covid-19 esgotaram antes da projeção da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa). Enquanto busca saídas para ampliar a capacidade de acolhimento, o Governo do Estado prorrogou o isolamento por mais 15 dias – agora, válido até 5 de maio.

Com a resistência de alguns setores sociais, um levantamento com base na geolocalização de aparelhos celulares no Estado mostra que a adesão ao método vem caindo no Ceará. Em 21 de março, primeiro dia após o decreto entrar em vigor, o chamado índice de isolamento social abrangia 63,9% da população cearense, de acordo com a empresa de inteligência de dados In Loco. No dia seguinte, um domingo, a taxa atingiu seu recorde: 71% das pessoas ficaram em casa.

Na semana anterior ao decreto, o índice ficava entre 31% e 44%. Na primeira semana com o novo cenário, de 23 a 27 de março, variou de 57% a 64%. Na semana seguinte, de 30 de março a 3 de abril, caiu: ficou entre 49% e 55%. Entre 6 e 10 de abril, quando houve a segunda prorrogação do decreto, os números voltaram a subir, ficando entre 52% e 60%. Mas, de 13 a 17 de abril, caíram mais uma vez, e para pior, variando de 49% a 53%.

No último sábado, 18 de abril, data mais recente do levantamento da In Loco, o índice estava em 54,4% – o menor para esse dia da semana desde o primeiro decreto. Ainda assim, o valor foi maior que a média brasileira, que estava em 51,2%. No comparativo entre os Estados, o Ceará ocupou a 3ª posição entre os que mais obedeciam às restrições de circulação, atrás apenas de Goiás, com 57,4%, e do Distrito Federal, com 56,3%.

Para o cálculo, a base de dados utiliza aplicativos de celulares e o sistema de georreferenciamento, que localiza aparelhos e monitora áreas com maior número de pessoas. Segundo a In Loco, a precisão é 30 vezes maior que à do Global Positioning System (GPS). Dados pessoais dos donos dos celulares não são identificados pela plataforma durante o estudo, garante a empresa.

Padrão

Conforme análise do Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares, o padrão de queda no isolamento observado em âmbito estadual se repete nas dez cidades com maior número de casos da Covid-19: Fortaleza, Caucaia, Maracanaú, Aquiraz, Eusébio, Sobral, Horizonte, Maranguape, Quixadá e Pacatuba. Em Juazeiro do Norte, Limoeiro do Norte e Iguatu, cidades do interior que também chamam atenção da Sesa, também houve decréscimo – na última semana, alguns dias chegaram a ficar abaixo de 50%.

Para Manuela Martin, enfermeira e mestra em Saúde Coletiva, a terceira prorrogação do decreto foi necessária para evitar que mais pessoas adoeçam ao mesmo tempo, principalmente idosos e pacientes com comorbidades que demandam suporte mais complexo. “Não queremos chegar ao ponto de definir quem tem que ser atendido primeiro, de quem vai ter o direito à vida. É um vírus novo, agressivo, com quadros clínicos severos e para o qual a gente ainda não tem defesa. Isso tudo pode ser evitado com precaução”, diz.

Segundo a especialista, o Ceará ainda não alcançou o pico de casos, mas, depois de atingi-lo, alerta para o período de estabilização. “O número não irá subir, mas se manter para, depois, a curva cair. Não sei quanto tempo vai durar, até porque o isolamento não está 100%”, reitera. E desabafa: “todos os profissionais da linha de frente estão se arriscando e arriscando a saúde da própria família, mas tem gente que banaliza a situação e não entende. Estamos vendo egoísmo e falta de humanidade”, lamenta Manuela.

Os primeiros três casos de coronavírus no Ceará foram divulgados pela Sesa no dia 15 de março. Cinco dias depois, quando entrou em vigor o primeiro decreto, a Pasta também confirmou a transmissão comunitária do vírus, quando não é mais possível identificar sua origem. Naquele dia, o Estado contabilizava 67 casos confirmados e nenhuma morte. Um mês depois, nesta segunda-feira, os números chegaram a 3.484 confirmações e 206 mortes, segundo a plataforma IntegraSUS.

Rotina alterada

Burlado por uns, seguido à risca por outros. Estudante de Educação Física, Bia Fontenele, 21 anos, viu a rotina mudar radicalmente pelo isolamento. Se, antes, ela passava de 6h30 às 22h30 externa, em atividades da faculdade e estágio, agora fica sozinha em casa, no Quintino Cunha. As aulas, provas e contato com amigos migraram para o meio virtual. Os exercícios físicos, que ela compreende como válvula de escape, por vezes esbarram na solidão e na saudade.

Bia, inclusive, se viu obrigada a cancelar uma festa de aniversário no período. “Decidi comemorar no dia 21 de março, mas, no dia 18, o governador anunciou o decreto. Eu não queria aceitar, mas depois passei a ter mais noção da dimensão dessa doença”, conta ela, que projeta uma ida à praia quando a circulação for retomada.

Enquanto isso, vem se dedicando a descobrir dotes na cozinha, a ler e a estudar. “Estou colocando muita coisa em ordem. Creio que, quando passar, vai estar tudo alinhado”, espera.

A rotina atarefada como biomédica, coordenadora docente, esposa e mãe de gêmeos de Ana Amélia Mourão, 37, também deu uma guinada depois da pandemia. Ou “num piscar de olhos”, como ela define.

“O consultório parou. Como estética é toque e geralmente as pessoas precisam levar acompanhante, não podemos abrir tanto pelo decreto como por segurança”, afirma ela, que continua dando suporte e dicas de home care a clientes por aplicativos de mensagem.

Brincadeiras

Em casa, Amélia divide o home office coordenando as aulas de uma universidade particular, de segunda a sexta, com o desafio de lidar com Pedro e Heloísa, que também têm aulas remotas. “Ficou bem mais puxado. A vontade de sair com eles é grande, mas a gente tenta fazer as atividades e criar brincadeiras”, destaca a biomédica.

Para Amélia, a pandemia vai deixar grandes lições. “Acho que todo mundo vai sair com o olhar diferente e dar mais atenção ao próximo. Também estou na minha casa e não falta nada, então vou dar mais valor ao meu trabalho”, descreve.

Melhora no ar

Não foi apenas a rotina das pessoas que mudou. O isolamento trouxe impactos também para o ar de Fortaleza – e de forma positiva. Uma pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (Uece) atestou que, com a menor circulação de veículos e menor atividade industrial na cidade, o nível de ozônio na atmosfera diminuiu em até 50%. O gás é um dos parâmetros utilizados pela legislação ambiental para monitorar a qualidade do ar.

No trânsito, também houve mudanças. Um estudo do Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE) revelou que, até a segunda semana de abril, a redução média no fluxo de tráfego foi de 43% nas rodovias estaduais. Na segunda quinzena de março, também houve diminuição de 61% no número de acidentes e 57% no de mortes.

Diário do Nordeste

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