Há mais de um ano, a Rússia decidiu libertar detentos das suas prisões e os recrutar para lutar na Ucrânia, oferecendo perdão e liberdade após seis meses, mesmo que tivessem sido condenados por algum crime violento.
Mas a BBC descobriu que este acordo é coisa do passado. Agora, os detentos já não recebem perdão, enfrentam condições mais duras e, em vez de regressarem mais cedo para casa, têm de lutar até ao fim da guerra.
“Se você se alistar agora, esteja pronto para morrer”, escreve um homem chamado Sergei em uma sala de bate-papo online para ex-prisioneiros russos que lutam na Ucrânia.
Ele diz que desde outubro faz parte de um novo tipo de unidade militar chamada Tempestade V, para a qual os condenados estão sendo designados.
“Antes você só precisava aguentar seis meses. Mas agora você tem que aguentar até o fim da guerra“, escreve ele.
O recrutamento em massa de prisioneiros russos começou no verão de 2022 e foi liderado por Yevgeny Prigozhin, chefe do grupo de mercenários Wagner, que morreu em agosto.
Na época era oferecido aos prisioneiros ficha limpa, perdão total e permissão para voltar para casa após seis meses no campo de batalha.
Antes de morrer em um acidente de avião, Prigozhin disse que quase 50 mil prisioneiros russos tinham sido enviados para a linha da frente dentro deste acordo — números semelhantes haviam sido citados por ativistas dos direitos humanos.
Milhares desses prisioneiros morreram, mas outros, incluindo dezenas de condenados por crimes violentos, voltaram para casa, e alguns reincidiram nos seus crimes e cometeram até mesmo homicídio.
Os militares russos reconheceram oficialmente a existência do esquema em fevereiro de 2023, oferecendo inicialmente os mesmos incentivos que Prigozhin.
Mas o acordo significava que os prisioneiros libertados para lutar podiam voltar para casa após seis meses e estavam em uma posição mais privilegiada do que os soldados regulares — o que perturbava os homens que tinham sido mobilizados e as suas famílias.
Agora, novas condições muito mais rigorosas para os prisioneiros estão restaurando o equilíbrio.
Condições na prisão ‘eram boas’
Ao analisar mensagens em salas de chat e falar com combatentes e familiares, a BBC confirmou que as tropas da unidade Tempestade V estão atualmente servindo na linha de frente, que vai de Zaporizhzhia, no sul da Ucrânia, até Bakhmut, no leste.
Uma mulher de Zabaykalsky Krai, no Extremo Oriente da Rússia, que desejou permanecer anônima, disse à BBC que seu marido foi recrutado para um dos esquadrões Tempestade V no início do outono de 2023. Ela não revelou qual crime ele havia cometido, mas diz que se trata de “uma acusação séria”.
Ela disse que eles tomaram juntos a decisão de ele lutar na Ucrânia, acreditando que isso resultaria em uma libertação mais rápida.
“Em fevereiro deste ano completariam 15 anos desde que ele foi condenado. Ele ainda tinha mais quatro pela frente”, disse ela. “As condições na prisão eram boas. Ele poderia ter continuado cumprindo a pena, mas esta era a única forma de voltar para casa rapidamente.”
Ela disse que o contrato do marido com o Ministério da Defesa russo era de um ano, e não de seis meses, como acontecia com os prisioneiros anteriores. E quando o tempo do marido acabar, ele não receberá o perdão e não poderá voltar para casa imediatamente, pois o contrato “será automaticamente prorrogado”.
Postagens nas redes sociais de outros russos cujos parentes estão servindo em unidades Tempestade V indicam que eles também terão que permanecer na linha de frente até o final da guerra na Ucrânia —que Moscou chama de “operação militar especial”.
Os presos são alertados para isso quando se inscrevem. Um decreto de setembro de 2022 do presidente russo Vladimir Putin faz com que contratos que expirem não sejam rescindidos, e sim renovados.
Pelas novas regras, a única forma de os prisioneiros obterem a libertação total é conseguindo uma condecoração estatal, tendo um problema de saúde ou atingindo o limite máximo de idade. Ou se a guerra terminar.
Em vez de perdão, os ex-prisioneiros obtêm agora o que é descrito como uma liberdade condicional no final do seu período no exército. Isso significa que se forem considerados culpados de cometer um novo crime, a sua sentença também refletirá as suas penas anteriores.
Putin também já não está envolvido na assinatura pessoal de indultos, o que significa menos publicidade negativa para o Kremlin sobre perdão a pessoas condenadas por homicídios e crimes sexuais.
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