Livro com poemas de Patativa do Assaré é lançado em comemoração ao 111º aniversário do artista

Patativa do Assaré (1909-2002) entrou na vida de Gilmar de Carvalho por conta de uma artimanha do pesquisador. Fascinado pelos poemas, quis conhecer o poeta. Fez, assim, de tudo para chegar a ele. “Quando assessorei Paulo Linhares, na Secretaria da Cultura, em 1993, cuidei da parte editorial. Decidimos reeditar os cordéis do Patativa, que ficariam numa caixa. Quando ficou pronta, fui entregá-la em Assaré. Foi nosso primeiro longo papo”, conta.

A recordação vem acompanhada da bela parceria firmada logo ali, entre papéis, matéria-prima do afeto. Patativa lhe confiou os originais de “Aqui tem Coisa”, penúltimo título do trovador, lançado no ano seguinte.

Gilmar, por sua vez, retribuiu estreitando o laço já firmado de bem-querer e respeito. “Decidi fazer um dia de entrevista com ele e este dia foi 15 de fevereiro de 1996. A conversa foi publicada em livro, com o título de ‘Patativa Poeta Pássaro do Assaré’, cuja segunda edição tem apresentação de Ria Lemaire”.

A partir daí, o caminho foi sem volta. Visitas mensais conferiram mais de 500 páginas de diálogos, demarcando a força política, o compromisso com a terra e a cumplicidade do celebrado artista – um agricultor – com os homens e mulheres que trabalham o solo. Um mergulho profundo que, para além de constituir a epifania da vida de Gilmar de Carvalho, naturalmente concedeu ao pesquisador a propriedade e a expertise necessárias para continuar a perpetuar o legado do mais importante poeta popular cearense.

É com esse intento que o livro “O Melhor do Patativa do Assaré” vem a público hoje (5), às 20h, no memorial que leva o nome do trovador, localizado na cidade natal dele. O lançamento integra as comemorações do 111º aniversário de Patativa, e a obra – coedição das secretarias da Cultura e da Educação do Estado – será distribuída para estudantes de escolas públicas cearenses. Não estará, portanto, à venda.

A atividade é apenas uma das várias realizadas na 16ª edição do evento capitaneado pela Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE), “Patativa do Assaré em Arte e Cultura”, como forma de homenagear o poeta-ave. Além do momento, também acontecem, desde terça-feira (3), cortejos, shows, seminários e mesas-redondas, tudo de forma a chancelar a potência do que produziu Antônio Gonçalves da Silva.

Hoje, no exato dia do aniversário do cantador, ocorre também, para além do lançamento, a solenidade de entrega da Comenda Patativa do Assaré, que reconhece o trabalho de pesquisadores, artistas, poetas e cantores cujo ofício promove o alcance e a valorização da cultura popular tradicional. Os homenageados deste ano são o cineasta Rosemberg Cariry; o pesquisador e jornalista Gilmar de Carvalho; a cordelista Josenir Lacerda; o cantor e compositor Raimundo Fagner; e o pesquisador e escritor Oswald Barroso.

SELEÇÃO

Gilmar de Carvalho explica que falar em “o melhor do Patativa” é redundante porque tudo o que ele fez é melhor. Não à toa, o sentido da coletânea é exatamente preservar o pensamento do estudioso de que o poeta – apelidado de Patativa porque suas poesias eram comparadas com a beleza do canto da ave nativa da Chapada do Araripe – dizia não o que era melhor, mas o que gostava mais.”A seleção dos poemas foi feita livro por livro. Ainda que criações migrassem de um livro para outro, temos aí um aspecto cronológico. Também pretendemos incluir os folhetos e o fizemos. Patativa está por inteiro nesta obra”, situa.

Ainda assim, não é descartada a possibilidade de que outras antologias possam sair desse legado. Trata-se apenas de uma questão de oportunidade. “Se cada um dos estudiosos e pesquisadores que estão no livro fosse convidado para organizar outros volumes, teríamos pelo menos seis outras coletâneas. A criação dele passa por épocas, não por fases. Patativa manteve uma coerência, uma sinceridade que impressiona”, complementa Gilmar.

Uma das provas disso é que o único livro dele, mais temático, é o que contempla os cordéis. Por sinal, não gostava muito de folhetos. Seriam comerciais demais para serem vendidos nas feiras.”Ele tinha consciência de que seus poemas eram ‘biscoitos finos’, mas nunca fez alarde de sua genialidade, nem poderia fazer, já que ironizava os ‘sábios vaidosos'”.

Quanto aos estudiosos que Gilmar menciona como integrantes da obra, são vários a desfilar pelas páginas da publicação reiterando a relevância do poeta, tendo em vista que o conheceram e amaram-lhe. Rosemberg Cariry, cineasta, e Oswald Barroso, pesquisador e teatrólogo; Tadeu Feitosa, do Curso de Ciências da Informação da Universidade Federal do Ceará (UFC), cuja tese foi sobre Patativa; Eleuda de Carvalho, jornalista; Cláudio Henrique Andrade, sociólogo com mestrado e doutorado sobre o trovador; Ria Lemaire, professora; e Daniel Gonçalves, neto do artista.

Junto aos poemas, cada um dos textos assinados por esses profissionais oferece um panorama, abrindo muitas possibilidades de leituras, conferindo ao público-alvo do livro – estudantes de escolas públicas do Estado – um leque de oportunidades para “entrar” na obra de Patativa.

FORÇA

Gilmar de Carvalho destaca ainda que a proposta para idealizar o material veio em 2012, quando integrou a banca de doutorado de Eleuda de Carvalho, em Florianópolis, e visitou um centro de artesanato. Lá, encontrou, num mostruário, vários exemplares da “Poesia”, de Cruz e Sousa, um poeta que Santa Catarina cultua.

“Folheei o livro e vi que a tiragem era de 100 mil exemplares. A recepcionista disse que a distribuição era gratuita e que eu poderia pegar quantos exemplares quisesse. Trouxe três. Tive a ideia de que poderíamos fazer algo parecido com o Patativa. O tempo é cruel, corrói as lembranças, e se não atuarmos neste sentido, a fruição da obra dele será comprometida num futuro próximo”.

Daí que Fabiano Piúba, secretário da cultura do Ceará, “comprou” a sugestão, de acordo com o organizador, com entusiasmo. Foi motor para que o projeto amadurecesse e estivesse, agora, pronto.

Para além dele, ainda haverá um paradidático que manterá o poeta em evidência, com projeto gráfico de Adriana Oliveira, revisão de Kelsen Bravos e fotos de Alexandre Vale e Francisco Sousa. “O livro ganhou fragmentos da fala do Patativa a partir das entrevistas feitas por mim, e que levam os leitores (as) diretamente à fonte, ao poeta maior”.

Gigante mesmo. Na própria obra lançada agora, ficam bastante evidentes, especialmente para os não-iniciados na poética, os muitos ritmos trabalhados pelo artista, vitrine da magnitude expressa em versos. Diversidade de temáticas são abordadas tendo em comum a qualidade, uma espinha dorsal que pretende corrigir as mazelas sociais.

Gilmar, enfim, considera que cada criação assume um tom de denúncia capaz de não perder a excelência literária. Trata-se do testemunho e testamento de um homem que se fez poeta na própria aldeia (Serra de Santana), longe de modismos e rejeitando as tentativas de aceitação por parte do poder.

“Como diria minha amiga e orientadora Jerusa Pires Ferreira (falecida em 2019), vejo a produção do Patativa como um ‘grande texto’. Como se fosse um mural dos pintores mexicanos, um dazibao chinês, um afresco medieval, um vitral de catedral europeia e uma parede de taipa de uma casa do sertão. Faço força para não segmentá-lo. Não quero colocá-lo em gavetas. A força de Patativa vem desta integridade e precisa ser difundida, levada ao vento para os que não tiveram o privilégio de conhecê-lo enquanto ele esteve entre nós”. Continue Lendo

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