Lei de abuso de autoridade e o impacto no reconhecimento de criminosos

Com base em três artigos da Lei do Abuso de Autoridade, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República, instituições policiais de todo o país estão suspendendo a divulgação dos nomes e das imagens de presos em ações de rotina ou operações. Temendo punições, as corporações orientam seus agentes a também não repassar informações à imprensa — a medida foi adotada em pelo menos 11 estados. Esse trecho da lei opõe advogados, policiais, delegados e especialistas, porque, ao mesmo tempo em que protege a privacidade dos suspeitos, pode dificultar as investigações.

Divulgação da imagem de Zé do Valério foi essencial para sua prisão

No Ceará um crime que repercutiu nacionalmente foi a morte da universitária Danielle Oliveira, de 20 anos, foi encontrada em um sítio vizinho ao da sua família, na localidade de São Gonçalo, no município de Pedra Branca, ela estava despida e com um ferimento no olho esquerdo. O crime bárbaro que chocou a todos por pouco não termina em impunidade, porém graças a divulgação da imagem do acusado feita pela Policia Civil, José Pereira da Costa, conhecido com Zé do Valério, foi preso no dia 12 de julho de 2019, em Buriti dos Montes, no Piauí, após mais de dois meses de perseguição em áreas de mata de cidades nordestinas.

Diversos trechos da lei são questionados no Supremo Tribunal Federal (STF) por entidades que representam juízes e procuradores. Entre as práticas que se tornaram crime com a promulgação da lei estão as de impedir conversas entre advogado e cliente; interrogar suspeito à noite, quando não tiver ocorrido prisão em flagrante; continuar interrogando preso que decidir permanecer calado; e postergar, sem justificativa, o tempo de prisão. Outro ato que constitui abuso e pode resultar em prisão e o juiz determinar o bloqueio de bens de um investigado em valores acima do que o necessário para reparar os danos.

Os itens que estão levando as polícias a restringir a divulgação de dados dos presos estão contidos nos artigos 13, 28 e 38 da lei. O primeiro prevê prisão de um a quatro anos para quem “constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública”. O artigo 28 prevê o mesmo tempo de cárcere para a autoridade que “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado”. Por sua vez, o artigo 38 pune com até dois anos de cadeia “o responsável pelas investigações” que “por meio de comunicação, inclusive rede social” realizar a “atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação”.

De acordo com levantamento feito pela reportagem do jornal correio brasiliense, as polícias militares e civis de Distrito Federal, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Mato Grosso do Sul, Acre, Paraíba, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais já estão aplicando as restrições na distribuição de informações e orientando seus integrantes. Em Minas Gerais, uma nota técnica interna, emitida pelo Comando-Geral da Polícia Militar, à qual o Correio teve acesso, determina que policiais não apresentem os presos para populares ou jornalistas durante as ações. “Ao ser capturado por um policial militar, o indivíduo se encontra sob tutela do Estado e por isso não pode ser constrangido a dar entrevistas nem ser exibido para jornalistas ou populares”, destaca um trecho do documento.

Lei de Abuso de Autoridade no Ceará

No Estado do Ceará a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) rejeitou conceder entrevista sobre o assunto. Em nota, a Pasta garantiu que “as divulgações oficiais já atendem às disposições da Lei. Inclusive, desde fevereiro de 2007, a Pasta proibiu a apresentação compulsória de presos de qualquer natureza a órgãos de mídia para que sejam fotografados ou filmados”.  

Impacto no jornalismo policial

A Lei de Abuso de Autoridade pode interferir diretamente na cobertura policial feita pela imprensa. Isso porque a Lei prevê crime em “fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem de preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública”. Ou seja, IMPRENSA ESTÁ AINDA MAIS LIMITADA, e ALÉM DE NOMES, NÃO PODERÁ DIVULGAR MAIS FOTOS DE COSTAS DE PRESOS, por exemplo.

Constitucional

O professor João Paulo Martinelli, criminalista, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), afirma que as determinações da lei ocorrem para preservar os direitos do investigado. “A presunção de inocência é um direito fundamental, que inclui não ter identidade divulgada enquanto o acusado não for condenado”, frisou. “O acusado tem direito a ser tratado como inocente até eventual condenação. Esta semana, na Inglaterra, houve um caso em que um acusado de estupro teve sua identidade revelada somente após a condenação.”

Leonardo Santanna, especialista em segurança pública e gestão estratégica em segurança e ordem pública pela Universidade de Brasília (UnB) e coronel aposentado da Polícia Militar, ressalta que a não liberação das informações prejudica seriamente investigações contra criminosos. “Com a divulgação da imagem do cidadão, outras vítimas aparecem para denunciar. Uma mulher que é vítima de estupro, por exemplo, perde a chance de reconhecer um criminoso pela divulgação da imagem”, argumenta.

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