‘Ganhei R$ 70 mil com apostas online e perdi tudo logo depois’

Santiago Caamaño passou a adolescência entre casas de apostas e jogos de pôquer online.

Enquanto outros garotos disputavam partidas de futebol ou iam à praia com os amigos, ele tinha apenas uma obsessão: jogar.

Dos 14 aos 22 anos, a vida deste jovem galego de Muros, no norte de Espanha, girou em torno do jogo — ele chegou a perder quase 13 mil euros (cerca de R$ 71,5 mil) num dia.

O caso dele não é um incidente isolado. Segundo dados do Ministério do Consumo da Espanha, os jogadores online com menos de 25 anos passaram de 28% em 2016 para 48% em 2021. E começam a jogar, em média, aos 15 anos.

Embora seja difícil saber o número de pessoas viciadas em jogos de azar a nível global, já que muitos países não têm dados oficiais, algumas entidades como a Associação Europeia para o Estudo do Jogo (EASG, na sigla em inglês) alertam que entre 0,5% e 2% da população mundial tem problemas com jogo.

No Brasil, por exemplo, estima-se que 1% tenha transtorno do jogo, e 1,3% uma síndrome parcial, totalizando 2,3% da população, de acordo com Hermano Tavares, coordenador do Programa Ambulatorial do Jogo Patológico (Pro-Amjo) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

“E se você considerar a taxa de exposição, que é a pessoa que não aposta, mas convive com um apostador, e, consequentemente, sofre com todos os problemas dele, como desemprego, endividamento extremo, inadimplência, ser privado de oportunidades, isso pode chegar a 10% da população”, acrescentou Tavares em entrevista prévia à BBC News Brasil.

Organizações de terapeutas de várias partes do mundo concordam que o perfil do jogador compulsivo mudou. Se há uma década tratavam homens de 50 anos viciados em máquinas caça-níqueis (jogo que é operado ilegalmente no Brasil), hoje são jovens obcecados por jogos online e apostas esportivas.

Santiago Caamaño é um desses jovens afetados. Sua família e amigos nunca se deram conta de nada.

“Afinal, um ludopata não é apenas um mentiroso compulsivo, mas também um ótimo mentiroso”, diz ele à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

Quando ganhava, ele aproveitava para pagar as dívidas, mas depois voltava a perder e voltava a dever dinheiro.

“É como um círculo vicioso do qual você não consegue sair”, afirma.

Ele acredita que é importante chamar a atenção sobre a ludopatia desde a escola para que os alunos saibam as consequências que pode trazer.

“Eu sempre digo a mesma coisa, quem vira ludopata é porque já jogou. Quem não joga nunca vai ser ludopata. Então, por que arriscar?”

A seguir, reproduzimos a história de Caamaño em primeira pessoa, conforme ele contou à BBC News Mundo.

Comecei a jogar com 14 anos. Eu era um garoto como os outros, de uma pequena cidade da Galícia.

Lembro que quando estava com 14 anos, os mais velhos começaram a jogar pôquer nos bares da cidade, acho que nem eram muito mais velhos. Tinham 16 ou 17 anos. Foi quando começou a moda do pôquer — comecei a perguntar como era e comecei a jogar.

Primeiro jogávamos com um euro cada, da mesada ou seja lá o que for, e continuei jogando até perceber que precisava jogar cada vez mais.

Gastava dinheiro que era para comprar bala na época ou pedia dinheiro para fazer fotocópias na escola que não existiam na verdade, para poder jogar.

Comecei com coisas pequenas, mas já percebendo que algo não ia bem, mas o que eu queria era jogar e pronto.

Aos 15 anos, já comecei a procurar jogos na internet e fiz uma conta usando a identidade da minha mãe.

Fazia recargas de 10 euros, que era o mínimo que dava para colocar. Comprava em quiosques e postos de gasolina — é como uma recarga de celular pré-pago.

Para pagar, eu precisava inserir os dados da minha mãe. Sempre tive a esperança de ganhar muito dinheiro e que assim minha mãe não acharia tão ruim, mas esse momento nunca chegou.

Foi quando comecei a jogar a sério. Comecei a mentir, roubar e focar no jogo, a tal ponto que no primeiro ano do ensino médio (16 anos) falsifiquei minhas notas e coloquei que havia ficado de recuperação em três matérias, quando havia passado em todas, para ficar jogando no computador durante o verão sem ninguém pensar que estava fazendo algo estranho.

Perdi mais de R$ 70 mil num dia

Gastava os 50 ou 60 euros (R$ 275 ou R$ 330) para as despesas semanais no primeiro dia. Depois fazia favores para os colegas para eles me darem dinheiro, ia fazer compras, vendia até droga.

Pensava em mil maneiras de conseguir dinheiro e acabava fazendo dívidas. Por fim, gastava sempre 120% do que tinha, porque sempre acabava devendo. É como um círculo vicioso do qual você nunca sai.

Teve um dia que consegui ganhar 13 mil euros (cerca de R$ 71,5 mil) em apostas esportivas online — e em uma hora e meia já não tinha nada.

Ninguém se dá conta de nada

O segundo ano do curso em relações laborais já foi um caos. Abandonei a universidade e comecei a trabalhar aos 19 anos no bar do meu tio na cidade (Muros). Trabalhando era a mesma coisa, mas com mais dinheiro.

Durante esse tempo, ninguém nunca se deu conta. Meu irmão mais velho, que é dois anos mais velho que eu, também jogava, não muito, mas também jogava e não percebia. Tampouco os colegas que dividiam casa comigo.

Na cidade, jogava muito nas máquinas caça-níqueis de um bar em que a máquina não era visível da porta e onde eu conhecia o dono.

Não parecia tanto, porque eu jogava em um lugar, depois em outro e quando podia pegava o carro e ia para Santiago, para a casa de jogos, onde ficava mais à vontade, porque não me conheciam, e era lá que apostava quantias maiores.

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