De dama de honra a Bob Marley, concurso elege jumento mais enfeitado no interior do Ceará

No último sábado (20), o distrito de Jordão, no município de Sobral, a 240 quilômetros de Fortaleza, foi palco para uma competição bem inusitada: um concurso do jumento mais enfeitado da região

A disputa ocorreu no último dia da Festa de Nossa Senhora da Saúde, realizada tradicionalmente no mês de agosto na localidade de Serra do Rosário. Entre as fantasias, teve jegue vestido de dama de honra, jegue trajado de Igreja de Nossa Senhora e até jegue de Bob Marley.

Os jurados analisaram critérios como criatividade, adereços e a desenvoltura do jumento. Para participar, os tutores dos jumentos só precisam se apresentar no dia e na hora marcada com o jegue fantasiado.

Se quiser levar o prêmio, o tutor também tem que entrar na brincadeira: muitos vão vestidos com fantasias relacionadas às dos jegues.

“A festa tem o objetivo de resgatar a figura do jegue na paisagem nordestina”, afirma o professor Audino Lopes, organizador do concurso. Conforme Audino, a população de jumentos da região tem diminuído, o que motivou a comunidade a colocar este animal como protagonista da festa.

A disputa é realizada pela comunidade, financiada pelos pequenos agricultores e comerciantes da região. O concurso tem regulamento: o condutor, por exemplo, não pode entrar na arena com o animal doente. Segundo a organização, na hora de montar a fantasia, estão vetados acessórios que possam ferir o animal ou prejudicar sua saúde de algum modo.

Um cercadinho é montado em frente aos jurados, que recebem as regras e os critérios de avaliação da organização. Os tutores e jumentos desfilam juntos e alguns inovam na apresentação para conquistar o júri: neste ano, por exemplo, dois tutores foram vestidos de noivo e noiva, e o jegue foi de dama de honra.

Ao todo, seis jumentos concorreram em 2023. Apesar do esforço dos demais, o vencedor desta edição foi o jegue chamado Manco, que concorreu pela primeira vez. Ele foi vestido de Igreja de Nossa Senhora da Saúde e conquistou a preferência dos jurados, que deram aos tutores do Manco o troféu de primeiro lugar e o prêmio principal de R$ 300.

Concurso começou após tremor de terra

O evento teve início em 2008 e está na sua 12ª edição: as pausas se devem aos anos de pandemia, em que não houve concurso, e aos anos eleitorais, quando também a festa não ocorre. “Ano eleitoral aparece mais candidato que jumento”, critica Audino.

Há mais de três décadas, o professor dá aulas na rede pública de Sobral, especificamente no distrito de Jordão, onde ocorre o concurso.

Quando a festa começou, o distrito havia passado por uma situação traumática: em maio de 2008, um tremor de 4,3 graus na escala Richter atingiu a região, no que até hoje é o tremor mais forte a ter atingido o município de Sobral.

Há relatos de pânico entre moradores e muitas pessoas procuraram atendimento médico. Parte do teto da Igreja de Nossa Senhora da Saúde, que tem mais de 100 anos, desabou enquanto mais de 70 pessoas participavam de uma celebração.

Com o susto, os moradores da comunidade se preocuparam que os visitantes, assustados com o tremor, não comparecessem mais aos festejos de Nossa Senhora da Saúde em agosto. Foi aí que Audino pensou em unir as duas preocupações.

Ele propôs a criação do concurso, que é realizado sempre no último dia dos festejos da santa, e que teria como figura central o jumento, um animal que, segundo o professor observa em suas andanças na região, está desaparecendo das propriedades do local.

“O jegue tem tudo a ver com a questão da religiosidade popular, foi o jegue que fugiu com Jesus Cristo quando estavam matando crianças [o Massacre dos Inocentes]. Jesus chegou em Jerusalém montado num jumento”, pontua Audino.

Desde então, tem sido assim: o concurso ocorre no encerramento das celebrações de Nossa Senhora da Saúde. Pelo cronograma do dia, os jumentos desfilam e a música anima a Serra do Rosário. De noite, a comunidade se reúne na igreja em suas orações.

Com as eleições municipais no próximo ano, a festa vai dar uma pausa e só retorna em 2025. No que depender da comunidade, contudo, o evento vai continuar a atrair público pela criatividade – e, quem sabe, fazer os jumentos voltarem a ser presença constante nas propriedades da região.

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