CPI da Covid pode convocar Bolsonaro a depor?

O vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou nesta quarta-feira (26/5) requerimento para convocar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a depor como testemunha.

O pedido ainda não foi apreciado, e é incerto se será aprovado pela maioria do colegiado. Caso seja, é provável que a questão tenha que ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já que há controvérsia jurídica sobre se a CPI de fato pode realizar essa convocação.

Outra questão que deve ser levada ao Supremo é a convocação aprovada pela comissão nesta quarta-feira de nove governadores: Wilson Lima (PSL-AM) , Helder Barbalho (MDB-PA) , Ibaneis Rocha (MDB-DF), Mauro Carlesse (PSL-TO), Carlos Moises (PSL-SC), Antonio Oliverio Garcia de Almeida (Sem partido-RR), Waldez Góes (PDT-AP), Wellington Dias (PT-PI) e Marcos José Rocha dos Santos (Sem Partido-RO).

Os nove convocados podem aceitar depor ou recorrer ao STF pedindo para serem liberados, já que há um precedente de 2012, quando o ministro Marco Aurélio autorizou o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), a não comparecer à CPI do Cachoeira.

Randolfe Rodrigues disse considerar inconstitucional a convocação de governadores pela CPI. No entanto, como a comissão aprovou os nove depoimentos, o senador argumentou que, “por coerência”, Bolsonaro também deve ser convocado.

No requerimento em que pede a presença do presidente na comissão, Rodrigues diz que “a cada depoimento e a cada documento recebido, torna-se mais cristalino que o presidente da República teve participação direta ou indireta nos graves fatos questionados por esta CPI”.

Entenda a seguir os debates jurídicos em torno da convocação de Bolsonaro e dos governadores.

Convocação do presidente da República

Juristas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem sobre se Bolsonaro pode ser convocado pela CPI.

A Constituição Federal não prevê explicitamente se uma comissão do Congresso pode ou não obrigar o Presidente da República a prestar depoimento. O que ela autoriza, no seu artigo 50, é a convocação de “Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República”.

Para Marcelo Labanca, professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco, o fato de a Constituição listar as autoridades que podem ser convocadas e não incluir o presidente da República nessa autorização exclui a possibilidade de Bolsonaro ser convocado.

“Se a Constituição prevê ministros de Estados, que são uma autoridades de hierarquia menor, é como se ela tivesse implicitamente vedado a possibilidade de convocar o presidente”, argumenta.

Na avaliação de Labanca, essa impossibilidade de convocar Bolsonaro está fundamentada também no princípio constitucional da separação dos Poderes. Dessa forma, diz, não é possível que uma comissão do Congresso (um órgão de menor dimensão dentro do Parlamento) convoque o chefe do Poder Executivo.

“Interpretando o princípio da separação dos Poderes, o Supremo Tribunal Federal construiu uma jurisprudência muito firme em relação a CPIs. Há decisões do STF, por exemplo, que não permitem convocar juízes”, destaca.

Ainda que, na sua avaliação, Bolsonaro não possa ser convocado, o professor ressalta que isso não impede que a CPI investigue o presidente e aponte eventuais responsabilidades em seu no relatório final. A comissão, diz ele, também pode convidar Bolsonaro a depor e, nesse caso, ficaria a critério do presidente aceitar comparecer ou não.

O professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Mafei também considera que a omissão da Constituição, ao não autorizar expressamente a convocação do presidente, pode ser interpretada no sentido de que Bolsonaro não deve ser obrigado a depor.

Na sua avaliação, porém, há margem para que o STF libere seu depoimento por causa do artigo 221 do Código de Processo Penal (CPP), que prevê que o presidente da República, quando convocado como testemunha de um processo criminal, poderá marcar o dia e a hora de seu depoimento com o juiz do caso, ou mesmo optar por responder às perguntas por escrito.

Como comissões parlamentares de inquérito têm poderes de investigação equiparados aos das autoridades judiciais, Mafei considera que a previsão de que o presidente da República possa ser convocado como testemunha no Código de Processo Penal se aplicaria também à CPI.

“O artigo 221 do CPP prevê expressamente a possibilidade de presidente participar de processo judicial como testemunha, e esse artigo já foi apreciado recentemente pelo STF, que não viu inconstitucionalidade nele”, afirma Mafei.

O professor de refere ao depoimento do então presidente Michel Temer, em 2017, quando ele foi autorizado a responder por escrito a perguntas do Ministério Público Federal. Naquela ocasião, Temer falou na condição de investigado, não de testemunha, mas o ministro Edson Fachin autorizou que fosse por escrito.

Eloísa Machado, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas e coordenadora do Supremo em Pauta, projeto dedicado a estudar a Corte, também avalia que Bolsonaro pode ser convocado.

“Esclarecer a condução da política do governo federal durante uma pandemia que vitimou 450 mil pessoas é uma obrigação, um dever do presidente da República”, defendeu a professora no Twitter.

Toda essa discussão se refere a hipótese de Bolsonaro ser convocado como testemunha. Se ele for chamado como investigado, não seria obrigada a depor, pois a Constituição garante o direito ao silêncio a pessoas investigadas.

Convocação de governadores

A convocação dos nove governadores atendeu à pressão de senadores bolsonaristas que argumentam que a CPI da Covid precisa investigar todas as autoridades suspeitas de ilegalidades na pandemia, em vez de focar apenas no governo federal.

Com isso, foram convocados os nove governadores cujos Estados foram alvos de ações da Polícia Federal que investigam possíveis desvios de recursos federais repassados às unidades federativas para o enfrentamento da crise do coronavírus.

Para Marcelo Labanca, governadores não podem ser convocados devido ao princípio da federação, que estabelece a autonomia dos Estados em relação as Poderes federais.

Foi justamente esse argumento usado pelo ministro Marco Aurélio para liberar o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), de falar à CPI do Cachoeira, comissão que investigou práticas criminosas no seu Estado.

Perillo aceitou depor em junho de 2012 àquela CPI, mas depois solicitou um habeas corpus para não ser mais convocado.

Até a publicação desta reportagem, nenhum dos nove convocados havia acionado o STF. Apesar do precedente de Perillo, governadores ainda avaliam se recorrerão ao Supremo porque deixar de comparecer pode também causar um desgaste político, no sentido de estar resistindo a prestar esclarecimentos sobre sua gestão.

O governador do Piauí, Welligton Dias, por exemplo, disse que vai comparecer. “Tendo chamamento para comparecer à CPI com base na lei, ali comparecerei para contribuir, para esclarecer, mas principalmente para apontar caminhos para salvar vidas”, disse, em vídeo divulgado por sua assessoria.

Por BBC BRASIL

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