Com a pandemia agricultores enfrentam dificuldades para vender a produção no Ceará

Toda sexta-feira, há 17 anos, a agricultora Ana da Silva, 68, do Assentamento 10 de abril, em Crato, acorda com o céu ainda escuro para vender seus produtos na Feira Agroecológica, que ajudou a fundar em 2003. A rotina mudou, assim como a de todos os brasileiros, com a chegada do novo coronavírus e a medida de isolamento social, que proibiu as feiras livres para evitar aglomerações. Os produtores viram a renda diminuir e têm buscado alternativas para amenizar o prejuízo.

O decreto de distanciamento social foi prorrogado no último dia 20 e fica válido até 5 de maio em todo o Ceará. O Estado tem cerca de 351,1 mil agricultores familiares, segundo a Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA). Esses produtores compõem uma das categorias consideradas essenciais durante a pandemia, que possuem permissão para continuar trabalhando no campo desde que tomando as precauções para evitar o contágio. A produção é possível, mas as vendas estão em baixa.

Ana da Silva estima que, semanalmente, apurava entre R$ 250 e R$ 280, porque “levava muita coisa: verduras, legumes, galinha caipira”, descreve. Com a impossibilidade de venda na feira da cidade, a renda diminuiu. “Não peguei mais em um real”, lamenta. As boas chuvas tornavam ainda mais otimista a produção da agricultora. “Parou tudo. Ficamos desorientados”. Para o prejuízo ser menor, está vendendo na própria comunidade onde vive, mesmo sendo “coisa pouca”.

Para além da venda direta, a agricultura familiar é base importante no fomento aos comércios locais de diferentes municípios. Em Iguatu, no centro-sul, o produtor de banana nanica, Carlos Vieira, afirma que desde o fim de março passado, a produção apodrece na roça. “Os compradores sumiram, alegando que não têm como vender porque as feiras acabaram-se”, diz. “O prejuízo vai ser enorme e estou sem saber o que fazer”.

Centenas de produtores de banana em Iguatu, Jucás e Cariús enfrentam situação semelhante, o que também ocorre com agricultores e vendedores de feijão-verde e jerimum, alimentos que integram a cesta básica. O fim da feira livre em Iguatu representou a paralisação dos negócios. “A gente vive de vender feijão na feira e todo mundo está parado”, ressalta a feirante Maria Augusta Lopes. “Só alguns que saíram pelas ruas oferecendo o produto”, explica.

Alternativa

Morador do sítio Bebida Nova, no Crato, o agricultor Ronaldo de Góes, 38, decidiu divulgar seus produtos nas redes sociais e deixar na porta de clientes. Frutas, legumes, verduras, plantas medicinais, codorna, ovos, bolos, biscoitos. A lista tem mais de 30 itens. “Sem a feira, a alternativa foi essa. Já tenho contato de alguns clientes, fiz uma lista”, conta, otimista.

O produtor toma cuidado para diminuir os riscos da contaminação. “Procuro fazer o máximo de entregas num dia só para evitar sair de casa”. Apesar disso, reconhece que houve perda com a suspensão das feiras. “Acho que caiu 50%. O cliente na feira leva o que você tem. Mesmo um não gostando, encontra outro que quer. Na lista, eles escolhem e não conhecem os outros produtos”, justifica.

Ronaldo participava de três feiras orgânicas no Crato – na Associação Cristã de Base (ACB), na Rua dos Cariris, na Encosta do Seminário e na Praça Bicentenário. A renda semanal girava em torno de R$ 600 a R$ 1 mil, “dependendo da época e da produção”. Outros 22 agricultores cratenses também se mobilizaram. “Deu certo porque a gente incorporou outras coisas. O cliente pede e, mesmo se você não tem, consegue de um colega e faz a cesta para entregar”.

Incentivo

A professora, pesquisadora e agrônoma Inês Escobar, acredita que neste momento é importante reconhecer a gravidade da situação. É preciso também que as políticas para enfrentar os problemas, durante e após a pandemia, desafiem a burocracia administrativa e a lógica mercantil.”Os agricultores agroecológicos que produzem e comercializam saúde sob a forma de alimentos livres de veneno devem ser protegidos neste momento de isolamento social”, enfatiza Inês.

Para ela, sem os mercados e feiras, os produtores estão em maior vulnerabilidade e é o Estado que tem maior condição de defender os agricultores. “As organizações camponesas têm denunciado sistematicamente o envenenamento da terra e construído modos de vida alternativos à ‘loucura’ das grandes metrópoles”, reforça. “O Estado tem potencial para ser o elo entre os que produzem saúde e os milhões sem condições de bancar seu sustento”, afirma.

Realidade Local

Neste cenário, Inês propõe que o Estado compre a produção que não está sendo escoada. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), determina que todos os órgãos públicos que fornecem alimentação, como hospitais, presídios ou restaurantes, comprem no mínimo 30% de seus gêneros alimentícios da base familiar. “Representou um grande marco para o fortalecimento da agricultura familiar no Estado”, destaca a professora, ressaltando que “ainda não se conseguiu o cumprimento desta meta por inúmeros motivos, desde as questões técnicas/produtivas, até vontade política dos gestores”.

Em nota, a Secretaria do Desenvolvimento Agrário afirmou que o PAA já dispõe de R$ 2 milhões e deve adquirir produtos de mais de1.100 agricultores familiares em 105 municípios.

“Está em fase de regularização do cadastramento dos produtores rurais e das entidades socioassistenciais e a previsão é que, neste mês, o cadastro esteja concluído, e o programa volte a atender crianças, jovens e a população mais carente do Estado, desenvolvendo estratégias de entrega dos produtos junto às secretarias municipais e estadual de Educação (Seduc)”.

O Programa dispõe de dois formatos de compras: a chamada pública para alimentos comprados diretamente das cooperativas e dos agricultores individuais; e o pregão eletrônico para os serviços alimentares. “O percentual de 30% se refere ao segundo formato e 2020 é o primeiro ano de ajuste da lei. Na modalidade, os vencedores do pregão eletrônico precisam comprovar o valor correspondente aos alimentos, separando dos outros gastos, como mão de obra, água, energia, etc. A pandemia causada pela Covid-19 atrasou o ajuste”.

Outra alternativa apontada é a comercialização dos produtos na Ceasa. Segundo a SDA, cerca de 39% dos itens comercializados são de alimentos da agricultura familiar. “Uma das iniciativas de estímulo a essa participação e o Galpão da Agricultura Familiar. Todas as segundas e quintas-feiras, os pequenos produtores de todas as regiões ocupam o espaço e comercializam direto aos permissionários, empresários e consumidores que frequentam o espaço. A participação é ofertada aos beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)”.

Diário do Nordeste

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