Aglomeração de candidatos e eleitores na campanha eleitoral gera temor sobre aumento de casos de Covid

O Ceará, de modo geral, tem mantido a queda contínua de casos de Covid em todas as regiões do Estado. Mas, a campanha eleitoral nas ruas, iniciada no fim de setembro, em plena pandemia, traz motivos concretos de preocupação devido à negligência das normas sanitárias. No Estado já são 243 mil pessoas contaminadas. Se há temor neste momento, sobre o comportamento de candidatos e de eleitores nas maiores cidades e nas zonas urbanas do Estado, nas localidades rurais, o receio é ampliado. 

Uma das ponderações é que a remodelação das ações do período eleitoral, inibindo grandes movimentações, gerou, em paralelo, ênfase por parte dos candidatos no contato físico nas visitas casa a casa, fato que aumenta os riscos para os moradores das pequenas comunidades.

A presidente do Cosems, Sayonara Cidade, ressalta que vê com preocupação o possível crescimento de casos da doença gerados pelas atividades eleitorais no interior do Estado. No município do Cedro, onde ela é secretária, Sayonara relata que houve um aumento de casos na zona rural nas últimas semanas, chegando a 100 infectados. “Não posso atribuir à campanha, mas já é um alerta para mim”, desabafa. “Isso não deve ser só aqui. Minha preocupação, como gestora, é que não aconteça algo mais sério”.

Na cidade, explica a secretária, foi exigida uma reunião entre as coligações, Ministério Público e a Secretaria de Saúde. Após apresentar dados, ficou acordado o fim de algumas atividades de campanha tradicionais no interior, como passeatas e carreatas. “Todos concordaram”, diz ela. 

Questionada sobre as zonas rurais em que o avanço do coronavírus é mais preocupante, a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) informou que não possui estatísticas específicas para a dinâmica dos casos em áreas rurais e urbanas. Em nota, a Pasta acrescenta que “continua acompanhando com atenção a evolução dos casos em todas as regiões do Estado e reafirma a importância do cumprimento de todos os protocolos sanitários previstos para as atividades econômicas e sociais que estão sendo retomadas”.

A situação atual já é motivo de “grande preocupação” para Sheila Ramalho, secretária da Saúde do município de Baixio, na microrregião de Lavras da Mangabeira. A gestora admite que, mesmo continuando as ações de prevenção, é difícil de controlar a movimentação das pessoas durante o período eleitoral.“Até agora, ainda não teve um aumento significativo dos casos. Mas pretendemos fazer algumas ações com carro de som alertando sobre os perigos das aglomerações e em prol do uso de máscaras, que estamos vendo que não está mais sendo tão rigoroso”, diz.

Em Itapipoca, a preocupação se dá em caráter preventivo. “Nós não temos uma quantidade de casos que nos cause alerta nesse momento. Mas não mudamos o monitoramento de forma alguma, desde quando o cenário ainda era grave. As ações e fiscalizações foram mantidas”, afirma Mayla Sampaio, subsecretária da Saúde do município.

Outro alerta é que, sem as atividades tradicionais de campanha, podem ser estimuladas as visitas domiciliares de candidatos. “Tem que impedir. Como a gente não está permitindo agentes de saúde e vai permitir candidato? No interior do domicílio não pode. Deve ser peridomiciliar, como uma conversa. Agora entrar, não”, defende a presidente do Cosems. A fiscalização, neste caso, segundo Sayonara, deveria ser de cada gestor municipal. “Ele que deve dizer se pode ou não pode abrir (as atividades)”, sugere.

No distrito do Baixio do Muquém, na zona rural de Crato, o agricultor Assis Nicolau afirma que as comunidades se acostumaram a ter uma relação mais próxima com os candidatos, como as tradicionais visitas casa a casa para apresentação daqueles que estão concorrendo. “Hoje está todo mundo meio assustado e fica restrito”, garante. 

Na primeira semana de campanha, por exemplo, na localidade onde Assis mora, as visitas foram agendadas para encontrar apenas lideranças. “Juntando oito, dez pessoas”, descreve o agricultor. A cultura de ter um candidato “da comunidade” ainda permanece e os mesmos, geralmente são acompanhados pelos moradores nas visitas. “Mas aqui vai ter restrição. Pelo menos, enxergo que estão preocupados”, acrescenta. 

Procedimentos 

No interior, as promotorias eleitorais, explica o coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel), promotor de Justiça Emmanuel Girão, desde o período de convenção partidária, ainda no fim de agosto, têm atuado pelo cumprimento das normas sanitárias neste momento atípico. Um dos obstáculos, a princípio, conta o promotor, é que a legislação eleitoral brasileira não tem nenhuma previsão sobre possíveis restrições relacionadas à pandemia. 

Mas, explica ele, quando a eleição foi adiada de outubro para novembro, pela Emenda Constitucional 107, ficou estabelecido que atos causadores de riscos à saúde coletiva, como a possível propagação da doença, poderiam ser restringidos pela Justiça Eleitoral. 

Como a legislação eleitoral não é clara, nem há punição específica, o poder de polícia do juiz é utilizado como referência para esses casos. “Cabe ao juiz eleitoral fazer uso de um poder que ele detém, chamado poder de polícia, que permite adotar as medidas necessárias para inibir ou coibir práticas ilegais”, explica. A orientação às promotorias, diz Emmanuel, é que no primeiro caso sejam feitas reuniões com os partidos e candidatos para formalizar acordos de cumprimentos das normas.

Conforme informações do MP em, pelo menos, oito municípios (Cascavel, Pindoretama, Novo Oriente, Quiterianópolis, Quixadá, Banabuiú, Choró e Ibaretama) foi formalizado esse procedimento para que, dentre outros, sejam evitados eventos que possam resultar em aglomerações, como carreatas, passeatas e comícios. 

Em Itarema, segundo a secretária municipal da Saúde, Ana Paula Praciano, não estão sendo realizados comícios nem carreatas. “Os candidatos foram chamados para conversar com a coordenação da Vigilância Epidemiológica, então não estamos vendo isso como um fator que possa desencadear novos casos”, avalia. 

Nas cidades que não formalizarem o acordo ou as que estabelecerem e não cumprirem, explica o promotor, o MP deve provocar o juiz eleitoral para tentar resolver a situação. 

Um dos municípios que registrou esse tipo de demanda, conta o promotor, é Forquilha. Na cidade, a Justiça Eleitoral determinou, na última sexta-feira (2), que todos os candidatos, partidos e coligações do município devem se abster de promover passeatas, arrastões ou micaretas na cidade. No caso de realização de carreatas e comícios, os interessados devem apresentar, com antecedência mínima de 48h, um plano de segurança sanitária que será avaliado pela autoridade eleitoral da Comarca. 

O promotor também chama atenção para o fato de que os decretos estaduais que atualizam os processos de reabertura das atividades e permissão têm situações distintas por regiões do Estado. Ele reforça que nesse processo, todos os envolvidos devem ter responsabilidade para não aumentar o contágio da doença pandêmica.“Os eleitores e os partidos têm uma cota de responsabilidade nessa questão. Se voltar a contaminação em larga escala, quem vai assumir essa conta?”, questiona. 

Nas pequenas localidades, avalia ele, a fiscalização neste momento diferenciado de pandemia tem ainda mais dificuldade “às vezes, demora até para você tomar conhecimento. Nas grandes cidades tanto tem informação como tem estrutura para fazer alguma coisa”. Um exemplo, acrescenta ele é que “Forquilha, onde se está acontecendo mais abuso, o policiamento é pequeno. Não tem muita estrutura para adotar certas medidas. Deveria partir do bom senso das pessoas e dos partidos”. 

Cuidados 

A médica e professora da área de saúde coletiva da Universidade Federal do Cariri (Famed-UFCA), Emille Sampaio, reforça que “nós estamos epidemiologicamente no Estado em descendência do número de novos casos e óbitos, mas a pandemia não acabou e há uma possibilidade concreta, a depender de como nós lidamos com os comportamentos sociais, de uma segunda onda como está sendo registrado em países europeus”. Manter as medidas sanitárias de controle, “é essencial ainda”, ressalta a médica. 

Dentre as ações indispensáveis, orienta ela, estão o uso de máscara, a lavagem contínua de mãos e uso de álcool e a restrição do contato com mucosas do rosto. “É possível fazer atividade presenciais de campanha? sim, desde que se mantenham as normas sanitárias”, destaca. 

A obrigação, tendo em vista os preceitos sanitários, garante, é que as atividades presenciais sejam em locais aberto e arejados, que os abraços sejam substituídos por toque dos cotovelos e que todas as pessoas estejam de máscara. Além disso, ao menos os candidatos, orienta, devem obrigatoriamente fazer uso de álcool em gel. No caso de apertos de mão, só pode ocorrer se tiver higienização antes e depois da ação, o que é uma logística necessária, mas, na prática é “difícil” de ser visualizada, diz, na realidade das campanhas.

Deixe um comentário