A história dos trens no Ceará se perpetuam com monumentos históricos

Trilhos deixam marcas e contam histórias. Antes, um dos principais meios de transporte na Capital cearense e em todo o Estado, hoje, os trens, em sua maioria de carga, estão escassos e deram lugar a meios mais modernos como o Metrô e o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT). Mas, espaços na Capital funcionam como verdadeiros lugares de memória daquela época, na qual as ferrovias eram mais presentes na rotina da cidade.

A Estação Otávio Bonfim é um exemplo desses lugares. O espaço foi uma das principais estações para quem utilizava trens há algumas décadas. Localizada no bairro de mesmo nome, hoje é o Bosque dos Ferroviários. Inaugurada em dezembro passado, a praça é uma homenagem à classe que movimentou o Ceará no auge dos anos 1930. Lá, além do espaço para prática de exercícios físicos, há parquinho para crianças.

Localizado entre duas avenidas de grande movimentação, a Bezerra de Menezes e a José Jatahy, o equipamento recebeu, há algumas semanas, uma intervenção que rememora a história da estação ferroviária. O monumento de um vagão sob trilhos foi colocado na praça e chama atenção de quem passa pelo local. O equipamento será transformado em uma biblioteca até o próximo mês, de acordo com a Secretaria Regional I.

O projeto faz parte da requalificação da praça e vai ter um acervo com livros da história dos ferroviários. A ideia é abrir o espaço para visitações de escolas, conforme a Secretaria.

Essas iniciativas se mostram importantes para a manutenção da memória do fortalezense. É assim que a revendedora Jamires Pereira, 64 anos, avalia. “Tá muito bonito o monumento. Muita gente vem aqui pra fazer foto. É uma linda homenagem e uma forma de relembrar a história”, conta a idosa, que mora na Avenida José Jatahy há mais de 27 anos. Com sorriso saudoso no rosto, Jamires relembra: “era muito bom andar de trem. Hoje só fica a saudade”.

Demolida em 2015 para obras de requalificação da avenida e melhorias na mobilidade da região, a Estação Otávio Bonfim não foi derrubada sem luta. À época, um grupo de moradores do entorno protestou contra o fim do equipamento alegando grande perda para o patrimônio da cidade e pedindo tombamento da estrutura. De tão famoso, o espaço já foi citado até na literatura brasileira.

A escritora Rachel de Queiroz contou, na obra “O Quinze”, os causos de moradores do interior que, assolados pela seca, pegavam o trem e vinham à Capital cearense em busca de refúgio, desembarcando no Otávio Bonfim. A história eternizada nos livros é contada também pelo historiador e professor Airton de Farias. Segundo ele, algumas estações de trem no passado eram batizadas de “campos de concentração”, por receber grande volume de retirantes fugidos da estiagem.

À época, a Estação Otávio Bonfim era conhecida como Estação do Matadouro, como contou Rachel de Queiroz. “O Governo assistia as pessoas vítimas da seca recebendo elas nas capitais por meio das estações ferroviárias. Por muito tempo, os trens eram um meio de deslocamento muito usado e eficaz. É importante manter essa memória viva”, cita Rachel no livro.

O historiador Airton de Farias relembra o uso de trens como um ponto de virada no desenvolvimento do Ceará. O transporte de algodão por via férrea foi responsável por alavancar a economia do Estado. E não parou aí. “Para além da economia, a sociedade também foi se desenvolvendo. Tanto que muitos bairros de periferia e comunidades se desenvolveram ao redor de trilhos, o que você vê até hoje”, afirma o professor.

Caminhos

Substituídos pelo desenvolvimento de novos meios de transporte, os trens, hoje apenas de carga, pouco são lembrados pelas gerações mais novas. Mesmo assim, há quem cuide dessa memória. Dos seus 76 anos de vida, José Hamilton, ex-engenheiro da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) no Ceará, passou 34 nos trilhos.

Atualmente, ele faz parte de um sindicato de ex-ferroviários e cuida de um memorial de peças antigas localizado na sede da RFFSA na Praça da Estação, no Centro de Fortaleza. “São peças que a gente tirou lá da sede da antiga RFFSA, que foi desativada quando a responsabilidade das ferrovias cearenses passou para a Transnordestina. A gente trouxe pra nova sede para as pessoas relembrarem a história”, aponta Hamilton, que já foi autor de livros, textos e até documentário sobre ferrovias.

Ele rememora os primórdios da história dos trens no Ceará. A primeira estação foi inaugurada em Fortaleza no século XIX, ainda durante o Império. “Começou assim e só expandiu depois de uma grande estiagem em 1877, quando foi preciso fazer uma linha que chegasse até o Maciço do Baturité”, explica José Hamilton.

Cultura

Em Fortaleza, seguindo o exemplo do futuro vagão colocado na Estação Otávio Bonfim, outro equipamento da cidade será transformado em um local de perpetuação da cultura local. A Estação Professor João Felipe, no Centro da Capital, será reformada e passará a se chamar Estação das Artes do Ceará. Inaugurada em junho de 1880, o local resistiu, levando passageiros, até janeiro 2014, quando foi fechado para as obras do metrô de Fortaleza, em virtude da Copa do Mundo.

Idealizado pela Secretaria da Cultura do Estado (Secult), o prédio requalificado abrigará a nova sede da entidade, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), além de um mercado de arte e uma pinacoteca.

“Ele (o projeto) está inserido em uma ampla e ousada política voltada para o desenvolvimento social, a requalificação urbana, a ativação da economia criativa, e a promoção de novas vocações produtivas”, informou a Secretaria por meio de nota.

DN Natinho Rodrigues

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